Wednesday, July 9, 2008

Sem mais nem menos

Nicole enoja de tudo. As vezes até de si mesmo. Ela se cansa de olhar para seus cabelos, suas roupas, e ouvir seus pensamentos repetitivos que parecem nunca chegar a lugar nenhum.
Quando Nicole se cansa, ela não dorme nem descansa, ela se agita, fica impaciente. Escrevendo seus pensamentos repetitivos ela descobriu que enjoar é cair num buraco negro sufocante e lá não tem nada, nem música, nem pessoa, nem coisa. Pra sair da cratera que abre sem mais nem menos embaixo dos seus pés ela tem que respirar fundo e ter contato com algo novo, um som, um cheiro, uma cor, assim seu buraco cria vida e ela consegue viver lá sossegada por algum tempo até que sem mais nem menos...

Será que o buraco cria vida? Porque não sair do buraco? Morar nele é disfarçar seu vazio com belíssimos artigos de decoração que só servem pra enfeitar, mas não duram. O problema de viver nesse lindo buraco decorado é que outros buracos se abrem aos pés dela, e cada vez mais fundo se chega. Até o centro da Terra, no magma, onde é insuportável viver.

Nicole não precisa de decoração, precisa de arquitetura, de engenharia, de uma obra concreta que a tire do buraco e a coloque em um lugar mais alto que a superfície pra não correr o risco de cair pra debaixo da terra de novo.

Wednesday, July 2, 2008

Lírico, mas não romântico

Esqueça a Torre Eiffel iluminada pelo céu azul de Paris. As únicas coisas azuis no filme são os olhos, a coloração da imagem e a música. Christophe Honorré sempre mostra essa Paris cinza, fria, real. Como fazer um filme de amor em Paris sem ser romântico, e ainda com o título: Canções de Amor? Honorré conseguiu. Parece irônico que um filme tão realista seja um musical. Mas não é ironia, é honestidade, c'est la vie. E a vida é isso: surpresas, rotinas, surpresas, trabalho, alegrias, sofrimentos, surpresas, morte, fundo-do-poço, fome, frio, calor, volta por cima. A vida e o amor não têm nada a ver com as histórias que vemos no cinema desde pequenos, com o seu belo final feliz, têm muito menos a ver com canções que dizem "eu sei que vou te amar por toda a minha vida". Mas não poderia nunca dizer que as Canções de Amor são falsas. Elas são verdadeiras para algumas pessoas, por algum tempo. Outro dia me peguei ouvindo um CD do cantor cubano Bola de Nieve, suas canções são o cúmulo das promessas apaixonadas e do sofrimento de não poder ter quem se ama. Apenas as ouvi como uma bela melodia e voz, mas as palavras não me tocaram. Talvez estivesse eu apaixonada ou de coração partido essas palavras ecoassem dentro de mim. Voltando ao filme, mais uma vez Honorré me encanta com a sua ambigüidade. Cada canção é tão lírica, tão profunda, o que me faz ver que a realidade é poética, "a vida é um mistério" como um das personagens do filme diz. E como é um mistério! Todos os dias recebemos desafios que quase julgamos impossíveis de enfrentar e quando menos percebemos já estamos numa situação completamente diferente da anterior, quem imaginaria. Gostaria de me aprofundar na história, mas tenho medo de estragar a surpresa de quem ainda não assistiu ao filme. Mas já adianto que o fim do filme é como uma morte, algo que sabemos que vai chegar, mas não sabemos quando.

Les chansons d'amour
Christophe Honoré