Tuesday, November 30, 2010

Vinho, kanji e telhado

Ou foi o vinho ou foi a companhia dele que me deixou tão relaxada como naquela noite. Não sou muito de tagarelar, mas algum dos componentes acima fez com que eu falasse sem parar. Ele só fazia perguntas e me ouvia com atenção, acho que isso me encorajava ainda mais a falar e falar.

Também não me recordo como chegamos ao assunto Japão. Ele deve ter me perguntado sobre os alfabetos. Eu havia morado em Tóquio por um ano - de intercâmbio - e ainda lembrava como escrever uma coisa ou outra em Kanji (aquele alfabeto que parece desenho).

Os desenhos, na verdade, são símbolos que representam uma ideia. Escrevi amor em kanji para ele. Foi quando me lembrei da minha professora de japonês, Kawamura sensei.

Ela era a enfermeira do colégio em que eu estudava. Sempre me observava pelos cantos com olheiras e muito sonolenta. Então um dia ela me perguntou bem incisiva:

- E essas olheiras? Você dorme tarde ou usa drogas?

Achei engraçado e expliquei:

- O sono é porque eu não entendo japonês nas aulas, aí tenho vontade de dormir. As olheiras são herança da família italiana da minha mãe.

Ela sorriu e prometeu que iria me ajudar com o japonês. Conversou com meus professores, com o diretor do colégio e remodelou toda a minha grade.

Lembro da Kawamura sensei me “alfabetizando”.

- Tá vendo esse sinal que parece um telhado e fica sempre em cima do Kanji? Isso significa proteção. Escreva-o cem vezes para não esquecer e depois me mostra aqui.

- Assim tá bom, sensei?

- Ótimo, Carina-chan!

Esse tal telhado ficou escondido em algum canto da minha memória, mas não é que reapareceu aquela noite? Quando escrevi amor para ele, notei que o telhado protegia outro símbolo, o do coração.

Todo japonês deve saber disso, mas fui perceber só 13 anos depois que amor é o coração protegido.

Wednesday, November 17, 2010

Vestindo a camisa

Há cinco anos eu abasteço o carro no mesmo posto. Já conheço todos os frentistas. Aquele moreninho de boné e olhar tímido era novo. Pelo nervosismo dele, devia ser o primeiro dia.
- Bom dia, dona, é... vai ser o que? – falou olhando pra baixo
- Bom dia! Gasolina comum. Pode completar.
- É... cartão ou dinheiro?
- Cartão.
- Confere na bomba então, dona.
Ele foi pegar a máquina de passar cartão e voltou com uma nova, toda modernosa, devia ser dessas Cielo.
- Nossa, que máquina linda! Muito chique, hein, menino?
O frentista continou olhando pra baixo mas sorria orgulhoso. Ele disse na maior inocência:
- Ô dona, muito obrigado.
Foi seu primeiro elogio no trabalho novo.

Friday, November 5, 2010

Ao meu alcance

Nem é por querer. Às vezes a minha unha quebra do lado bem embaixo, aí eu puxo a ponta pra fora com os dentes. O dedo fica na carne viva. Até chega a sangrar. Dói, fica latejando, mas é uma dor que eu gosto. Parece que meu coração fica batendo na pontinha do dedo.