Friday, November 30, 2007

Caracóis

(Na falta de coisa nova pra postar vai esse aqui de maio desse ano)


Linda. Era assim que estava e se sentia. Mas com muito medo daquilo tudo que vinha dela. Era natural, era ela. Tinha a perfeição da imperfeição. Leve, cacheada, simples mas emaranhada. Assim era.
Quem conseguiria derrubar aquela estátua? Assim foi ela. Entrou no lugar protegida por seus cachos castanhos.
Ele a avistou e disse: você tá engraçada. Ele nunca a havia visto assim. Tão solta, tão leve, tão cacheada e pensou o contrário. Pensou que estivesse armada. Será que ele foi tão cego de perceber que ela sempre foi assim? Ou foi ela que nunca se mostrou?

2 anos. Nada. Não pode ser ela. Como não, se ela nasceu assim?
Percebe quem merece. E só se deve mostrar a quem mereça.

Não estava armada, nem precisou de proteção. Ela se defendeu tão naturalmente quanto àqueles cachos que desciam desenhando seu rosto desproporcionalmente belo.

Ficou feliz. Olhou-se no espelho e não enxergava nada além de sua defeituosa, mas beleza. Elevou-se, apaixonada por si mesmo. Ela não via mais ninguém, tudo e todos ao seu redor pareciam insignificantes.

Ele a viu de novo e disse: desculpe, mas você está linda. Ela sorriu e disse: estou cansada, vou embora.

Foi para casa e dormiu com os anéis que saíam de sua cabeça.

1 comment:

Casmurro said...

Uma pergunta nao quer calar: Por quê nos ocultamos?
Era uma jovem senhora. Vivia só, em um apartamento normal, como normal sao sempre as coisas da vida. Faço uma correçao. Nao vivia totalmente só,a parte do seu asqueroso gato, alguns fantasmas conviviam em seu apartamento normal e às vezes lhe alegrava outras tornava sua vida impossível.
Cada um, quando nasce, tem um fantasma para acompanhar-lhe por toda vil existência. E cada um tem o fantasma que merece. Nao os escolhemos. Ao contrário, sao eles que nos escolhem. Penso que todos os dias pela manha existe uma convençao fantasmagórica onde se decide a qual fantasma caberá a missao de tutear um ser-humano.
Bom, o importante, é que esta mulher conhecia os seus fantasmas. E conhecer seus fantasmas nao é o mesmo que aceita-los. Existem pessoas que passa toda a vida lutando contras eles, mas na verdade é uma luta injusta. Exorcizar nossos fantasmas significa ignorar nossa pulsao de vida.
Mas como dói aprender a conviver com eles. O fato é que esta senhora nao havia aceitado os seus fantasmas o que sim havia ocorrido é que ela cedeu parte de sua casa para eles fazerem o que quiserem.
E assim foi. Ela sabia que seus inquilinos jamais se afastariam, de modo que ela pensou. "Tem uma forma simples de expulsar estes indesejáveis ocupantes: me aceitarei tal como sou. Nao sou jovem, mas vivi o suficiente para nao desejar voltar aos 17; nao sou bonita, mas de qualquer modo isso nunca foi empecilho para deitar-me com o homem (ou mulher) que quisesse. Nao sou rica, Mas mensalmente posso comprar meu Dior, meu Manolo, ou se quero um Oscar de la Renta. Nao sou inteligente, ah, taopouco é algo importante em nossos dias".
E assim ela passou o dia construindo uma lista das coisas positivas que possuia. E ao fim percebeu que apesar disso tudo ela nao tinha um amor de verdade. Um amor daqueles cujo maior beneficio é fazer amar a si, mais e intensamente. E dessa forma num raio de desesperança ela sentiu que seus fantasmas já nao faziam parte de sua vida normal. Eles foram expulsos quando ela autodescobriu que os fantasmas sao na verdade, a dor nossa de cada dia, fruto bendito de nossa desgraçada condiçao de errantes angustiados; sedentos de respostas e esfomiados de esperança. Os fantasmas se alimentam de nossa autodestruiçao, sao viventes de nossa autopiedade.
Naquela noite, primeira realmente só, ela sentiu uma dor como nunca jamais havia sentido. Era a dor da solidao. Entao, foi quando ela chorou. Suas lágrimas diziam o que no seu coraçao ardia. Aceitar-se, ajuda a descobrir algumas respostas. Mas o conhecimento da causa nao cura a dor. E por isso preferimos viver na ignorancia e nos ocultamos atrás dos nossos fantasmas.
E pois, ela sentiu saudades de seus fantasmas e desejou fortemente re-adquiri-los.
Mas já era tarde. Uma vez cruzado a linha do conhecimento o caminho percorrido se desfaz.
Agora ela necessita aprender a conviver sem os seus fantasmas e sem um amor. E ao seu gato que nunca lhe fez caso ela disse entre soluços: Quisera voltar à ignorancia.