Friday, December 7, 2007

la niña buena

Acabei de ler “ Travesuras de la nina mala”. Li a última frase do livro como alguém que acaba de desvendar um segredo. Mas não um segredo comum. Algo muito maior. O personagem central do livro é um romântico que nunca teve muitas ambições na vida. Desde pequeno só queria morar em Paris, e assim fez.
Lá trabalhava como intérprete e às vezes chegou até traduzir alguns livros. Mas o tempo todo viveu a vida dos outros, o livro dos outros, as paixões dos outros. Nunca amou outra mulher a não ser a que mais lhe maltratava, que fazia com ele as maiores sujeiras que um ser-humano podia fazer a outro. Mas ela era a sua paixão, a niña mala.

Ele viveu essa paixão da forma mais intensa possível. Por ela deixava trabalho, ia até o Japão,e se fosse preciso até se casava com ela. Uma história de amor unilateral difícil de acreditar que possa existir. Ela, não sei se chegou a amá-lo, mas definitivamente amava a forma de como ele a adorava apesar de tudo.

Em todo livro a ambição da niña mala, a coragem para abandonar tudo, a franqueza dela nos leva crer que não existiria alguém com aquela fidelidade aos próprios sentimentos e aspirações. Mas tudo resultou em castelos de areias, na verdade ela não sabia o que queria. Buscava algo com muito empenho, mas não era nada daquilo, nada a preenchia. El niño bueno por sua vez, parecia um fraco que só sabia se submeter aos caprichos da niña mala, foi a pessoa mais verdadeira a sua aspiração. Ele só queria amar a niña e o fez até o final da vida dela. E assim permaneceu encontrando nela, em todo esse tempo que não foi desperdiçado(por mais que parecesse), a sua vocação e a paixão que talvez reprimia ou não enxergava que era escrever. Não mais transcrever o que os outros falavam ou escreviam, mas sim a sua história, a sua vida. Ela já havia lhe dado o material. Uma vida de amores impossíveis.

O segredo que eu mencionei no início é algo sub-valorizado nos dias de hoje, trata-se de viver a vida com paixão, fazer o que ama, sem a ambição material. É romântico, eu sei, mas não dá para fugir do que se é.

Talvez eu não tenha encontrado isso profissionalmente, mas tenho certeza que amo tudo que é periférico ao meu trabalho. E faço tudo sem qualquer ambição, faço simplesmente pela paixão.

Travesuras de la niña mala.
Mario Vargas Llosa

4 comments:

Casmurro said...

Nao sei, às vezes penso que nos faltaria viver de modo despretensioso.
Tudo seria mais fácil, mas nao tem jeito, preferimos o caminho mais dificil. Àquele que nos afasta de nós mesmos. Temos vergonha (ou medo) de seguir o caminho que nos leva a nos encontrar.

Carina said...

Concordo com vc, Juanito. Ontem vi um filme ótimo, Sonhos do kurosawa, e o último sonho falava dessa complicação que o ser-humano criava em torno de si para viver.

Ai Juan, de onde vem esse medo? Pior que ele existe, o medo acompanhado da vergonha. O pior de tudo é que o medo turva a nossa visão, a gente não consegue enxergar nenhum palmo a nossa frente. o medo paralisa também.

Mariana Gomes Welter said...

Caricha, esse livro me tocou muito, assim como a você. Gostei da resenha, você resumiu muito bem o espírito do livro e depois dessas reflexões eu pensei:os dois personagens foram bem radicais em suas escolhas, não conseguiram encontrar um meio termo, exatamente porque o que os motivava era um sentimento muito intenso. Ela acabou vivendo em função do dinheiro e do poder e ele viveu em função do amor que sentia por ela. As vidas dos dois são complementares e movidas por paixões irresistíveis.

Carina said...

Verdade, Laine. Muito boa essa observação. Além de duas paixões irresistíveis temos a eterna luta de emoção X razão e a cegueira que qualquer um dos dois em excesso pode causar. Las aventuras é um exemplo desse desequilíbrio. E o pior de tudo, Laine, é que isso está do lado de nós todos os dias. Conheço mais desequilibrados do que o contrário. Eu mesmo sou uma delas hehe. A emoção manda aqui. Mas procuro o meu equilíbrio diariamente rs.